sexta-feira, 23 de outubro de 2009

PICADEIRO (criar raiz e se arrancar)

Chego ao novo palco. Tudo me parece estranho: as cadeiras, o teto, a engrenagem complicada pra descer as varas... As cores... Tudo me parece desconfortável, e pouco depois de constatar isso percebo que o motivo é o vício. Estou viciada ao meu espaço, arraigada, entranhada como raiz de jequitibá. Que triste... Por isso tudo me parece hostil. Sinal de que estou velha. Mas, sacudo as teias de aranha e me atiro à nova ribalta como se fosse algo comum, como se nada fosse novo, como se meus quinze anos de palco – do mesmo palco – valessem alguma coisa. E começa a função. E sobe o teto. E estica a lona. Estou finalmente parada sobre o disco bege, cheiro doce e antigo, e sob o hexagrama treliçado de luz, sisal, poeira, suor e madeira. Tudo agora me é estranhamente familiar. Quase posso ver as mesmas cadeiras, as mesmas varas, o mesmo espaço vazio e ancho... As mesmas pessoas. E finalmente entendo como os mambembes dos circos de todos os mundos conseguem viver sem pouso fixo: aqui, sob meu teto, pisando firme meu chão, estou novamente – e sempre – em casa.