sexta-feira, 14 de outubro de 2011

OUTRA ENCRUZILHADA

Bom. Quando a vida chega numa encruzilhada, o jeito é escolher o caminho da correção e seguir por ele, confiante de que é o correto, ainda que pareça sombrio e estéril. Às vezes você acha que já chegou lá e é só uma parada na estrada. Por mais que esteja confortável, você tem que prosseguir, para sua meta, para sua meta... É preciso passar por caminhos tortuosos para chegar lá, lá no arco-íris onde o pote de ouro se encontra...




"Se você não sabe aonde está indo, qualquer lugar servirá" (Lewis Carroll).

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

CONTAGEM

Cansada desta vida de mesquinharias. De contar os trocados para uma cerveja. De contar os minutos para sair do trabalho. De contar os amigos nos dedos de uma mão. De contar carneirinhos para dormir. De contar as misérias ao analista. De contar vantagem sobre os outros para. De contar quantas vezes o telefone tocou no último mês. De contar mentiras pra si mesma para sobreviver. De não ter com quem contar.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

SOLILÓQUIO

O quão sozinhos estamos no mundo. O mal-do-século é a solidão: cada um de nós imerso em sua própria arrogância esperando por um pouco de afeição. L’enfer? L’enfer sont les autres. L’enfer est être tout seule. Gentileza não gera gentileza. Gentileza gera frustração. A gente acha que encontra no outro alguém para nos ouvir. Mas todos só querem falar. Eu também quero falar, que diabo. Ninguém escuta ninguém. Eu também não escuto ninguém. Todos imersos em seus fones, ouvindo suas rádios particulares. Como você está? Não responda, foi uma pergunta retórica. Deixa um recado no face que eu te respondo. Melhor. Eu curto seu comentário. Tempo que a gente não se vê, não conversa! Vamos sair hoje? Curtir. E a resposta? Curtir é a resposta. Sim ou não? Vamos sair? Mas você tem coisas mais importantes para fazer com seu novo amigo de infância. Até que ele esteja ocupando demais flanando na internet. Estamos todos sozinhos neste mundo, nem quem te ama consegue paciência para te ouvir. Porque estão todos ocupados demais contando os próprios projetos. Um diálogo de dois solilóquios. E eu finjo ter paciência.

ENGARRAFAMENTO

É tarde e eu tenho que chegar. Mas o sinal abre fecha abre fecha abre fecha e ninguém se move. Buzinas ecoam atrás de mim. Eu também buzino, ouvido no som e cabeça lá. Vontade de chegar, vontade de chegar logo, mas logo não existe às seis e meia na Avenida Rio Branco. Quero retornar, mas as vias transversais só descem, as ruas são em mão única nesta cidade. Os relacionamentos também. Quero retomar o contato é só dá ocupado. Telefone ocupado. Cabeça ocupada. Lugar ocupado, viajo em pé no ônibus lotado, com um desgraçado ouvindo funk no celular último modelo, ouvindo funk para o ônibus inteiro. Quero chegar, preciso chegar logo, preciso chegar no horário, mas o motorista perdeu a hora e nos prendeu no engarrafamento de dois quilômetros avenida afora. Um carro fecha o cruzamento e a faixa de pedestres. Pessoas passam pela frente e por trás do carro. Deviam passar dentro. Deviam passar por cima. O motorista está ocupado demais para se importar, falando ao celular enquanto (não) dirige no trânsito. Está ocupado fechando negócios à distância. Ou mantendo a família no lugar à distância, dizendo que não chegará a tempo para o jantar. Talvez tenha coisas mais importantes a fazer, mais três empregos para dar conta, a secretária para comer trancado no escritório enquanto a esposa ensina o dever aos três filhos. O motoboy passa zunindo entre os carros ônibus vans escolares, berrando a potência que tem entre as pernas no seu escapamento sem silencioso. Ensurdece e irrita. São dúzias, são legiões de motoboys ocupados em correr com as encomendas de seus contratantes. Cinco minutos para chegar ao Bom Pastor. Próxima entrega no Mariano Procópio. Motoboy caído na Avenida Independência, foi atropelado? Caiu sozinho. Resgate acionado, esse pelo menos usava capacete. Tenta se levantar, mas obrigam-no a ficar deitado sob a chuva fina que começa a cair, polarizando o frio do início árido de agosto. O trânsito continua parado porque o motorista do Gol lá da frente não arrancou assim que acendeu o verde. Só ele conseguiu passar a tempo, amarelo vermelho fechou, já era, mais quatro minutos de espera inútil. Queria ter um carro monstro. Impaciento-me ao volante, só sei viver nesta cidade neurótica se estiver ocupada. Tiro a sobrancelha. Limpo o painel. Arrumo a bolsa. Mando mensagens pelo celular. Retoco a maquiagem. Quem vai sentado no ônibus pode ler, mas acaba cochilando a cabeça ensebada no vidro da janela. Mais de uma vez liguei e deixei recado. Mais de um par de vezes mandei mensagem. Uma dúzia de vezes mandei e-mails. As mensagens no facebook se sucederam, e você sempre ocupado para me responder. Desejei feliz aniversário. Desejei melhoras da gripe. Convidei para o teatro. O barzinho. O show. O cinema. Tudo em mão única. O executivo que avançou o sinal e parou na faixa entra na primeira à esquerda. Contramão. Fica preso entre carros e pedestres. Não tem espaço para manobrar, seu sedan é grande demais para a falta de espaço das nossas ruas. Encontro com você no calçadão e você me torce o nariz, me cumprimenta por obrigação, me olha com desdém. Mão única. Não consigo entender o que fiz. Não consigo entender o que não fiz. Você está neurótico como o trânsito desta cidade. Contramão. Éramos tão amigos. Sinal fechado.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

RETALHOS

Não é que eu abra mão da minha vida para criar; é precisamente porque a vida abre mão de mim é que me refugio na arte como algo que, de teimosa, me prende aqui.

* * *

Que é a vida, senão amores a esquecer?

Contínua sucessão de dias opressores, noites vazias.

E tudo isso é vazio de sentido.

A vida é feita de encontros, pontos no infinito. Por mais que você viva a vida inteira com alguém, por mais que seja a vida inteira, são pontos efêmeros no eterno.

Feita de flashes curtos, nua sucessão de efêmeros, pequenas sinapses. O pequeno, descontínuo e miúdo é o que faz a vida, como pontilhismo.

segunda-feira, 28 de março de 2011

MOSAICOS

Sua vida começa a se delinear à sua volta. Levara quase trinta anos a prepará-la, moldá-la, construí-la, costurá-la,  eis que sem que ela percebesse muito bem como ou quando tudo começava a tomar forma. As peças do quebracabeças, quase unidas, mostravam vislumbres de sua casa, relances de seu dia a dia futuro, espectros de seu futuro marido. Desta vez, tomara o rio que desaguaria no altar? Se perguntava  ao mandar mais um sms pelo celular. Desde os vinte ela vinha se preparando - para o quê, meu Deus? Não sabia dizer. Mas sabia, tinha a certeza de que aos vinte e oito estava exatamente onde deveria estar, a última peça seria colocada e a figura ficaria completa.

Se preparava para o quê, meu Deus!? Mas estava quase pronta.

(Há uns dois ou três anos, quando o terror dos trinta me rondava a porta)

SCRIPT BARATO

 - E aqui, no fim de todas as coisas, neste pérfido quarto de hotel de quinta, sento-me nesta cadeira manca e acendo este cigarro. O cigarro é cênico. (Ela acende o cigarro.) Eu não fumo.

(Dá uma longa tragada. Após alguns segundos, exala com a garganta, boca aberta em O, um espesso anel de fumaça. E ela se põe a decidir em pensamento os rumos da nação.)

- Cacos debaixo do tapete.

ESVAZIAMENTO

Amo tudo o que amo cada vez menos. Tudo o que me é caro já o foi muito mais, antes. E ainda não sei se isso é um problema ou se é a solução.

Amo menos as coisas. As pessoas. Os lugares. E não estou mais bruta ou seca por causa disto. Comovo-me, alegro-me, fico feliz, me delicio, mas tudo isso passa. Não, não estou embrutecida. Estou mais livre, eis tudo.

E é simples; quanto menos se ama, menos se prende, mais se anda, mais se voa. Pelicanos voam, barcos não. Não voa quem tem asa: só voa quem não tem âncora.

Não tenho tudo o que amo. Mas, que me importa? Nada que me ama me tem.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

DITADURAS

Hoje, falei. Falei o que precisava. Falei o que queria. Hoje, me fiz ouvida, me fiz vista e considerada. E isto me fez feliz, ao menos por hoje.

Mas, amanhã, o certo é que nada mude. Minhas palavras, quem sabe?, serão arquivadas nos porões – ou da memória, ou do descaso.

O fato é que não me importa mais. Fiz o que me cabia, e isto foi muito. Falar é sempre muito quando se vive numa ditadura. Mas, infelizmente, é pouco quando se vive numa ditadura maquiada de democracia. Nestas, o sublime e sagrado dom (direito?) da expressão serve não como agente de mudança, mas como válvula de escape da tensão acumulada, dos sapos engolidos – ex-pressão. Com a ilusão de que temos voz e vez, voltamos ao conformismo que faz de nós seres omissos, esperando que um dia tudo mude, que tudo mude de repente, que a mudança caia como por encanto em nosso colo.

(29/11/2010)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

VALENDO

Pois é. E eis que chga o dia, planejado meio a medo, de parar de adiar a vida que se quer ter. Talvez não ainda o dia de se começar a colher, mas sem dúvida o dia de juntar as ferramentas e ir plantar em outro canteiro.

Já sinto o cheiro do fim. É o mesmo cheiro do novo que desponta, vida recém-saída do plástico.

Muito vai mudar. Ou talvez pouco apenas se ajuste, pois a grande mudança se opera dentro de mim, a todo vapor, já há muito tempo. A expectativa em tirar os sonhos da gaveta é grande, mas grande também é a falta que vou sentir do que fica. E a dor de ter certeza de que a minha falta vai passar tão batida. Mas, que isso importa? Cresci. Três pessoas se manifestaram, e é um bom número. A vocês, minha gratidão – não calculam o bem que me fizeram. Aos outros, também agradeço, posto que me impulsionam mais rápido e mais longe de encontro ao meu horizonte. Saio do teatro para começar a viver a arte! Já ouço a plateia inquieta, clamando pelo início do espetáculo. Vai, Cintia, ser guache na vida! Plena, matizada, barulhenta, expansiva, criadora, inquieta, faladeira! Vai, ser você mesma de novo, sem temores, sem amarras, viver o espetáculo que a vida te oferece, se entregar a seus amores, chega desse ensaio geral.

Terceiro sinal.

MERDA!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ACERTO DE CONTAS

Nessa vida, o que é que vale: os amigos que fiz? Os que ficaram pelo caminho? Os inimigos que descobri? A família que me dei?

CIRCUNFLEXA

Não é que eu abra mão da minha vida para criar; é precisamente porque a vida abre mão de mim que me refugio na minha arte.

Aprendi que não dá pra correr pra alguém quando a vida dói. Então, corro para meus livros. Quando leio Fernando Pessoa, a vida fica um pouco mais fácil. Não que ele me faça sentir-me normal; Fernando Pessoa me faz sentir que posso até ser maluca, mas não estou sozinha no mundo.

Preciso escrever como quem precisa de ar: sempre, continuamente, a cada momento e o tempo todo. Escrevo pensando, lametado por não haver meio de concretizar as palavras que deslizam velozes no papel do meu pensamento.

Sou escritora antes de ser falante, antes de ser andante. Só penso porque escrevo. É assim que me passo a limpo, ordeno meus objetos indiretos e sujeitos indeterminados. Não escrevo porque gosto, mas porque meus artigos são imperativos em sair e ganhar as páginas diárias dessa edição da minha vida. Desnudo-me; cada palavra que cai no papel é uma peça de roupa atirada ao chão. E estou infinitamente vestida, e por mais agasalhada que minha alma estrangeira esteja, ela ainda sente frio.

Faço análises e análises morfossintáticas para dar sentido à minha composição de mim, mas minha pontuação me parece sempre inadequada. Todas as palavras que eu queria dizer, só sei dizer escrevendo. E tudo me parece que já foi escrito antes de mim, tudo o que eu queria dizer já foi dito, escrito, datilografado, impresso, digitado. Ainda assim preciso recortar as palavras e recolá-las, em ordens inversas e vozes ativas e passivas. Tivesse vivido em 1900 e seria feliz, pois já não estaria neste mudo de prolixidade que me rodeia e que nunca é o bastante.

Minhas frases não se pretedem belas, apenas precisam sair ou me afogarão. Cada palavra é uma lágrima: me limpa os olhos, embaça minha visão para purificá-la depois, e pode ser de raiva, tristeza, alegria. Cada frase é um copo d'água que bebo em meio a soluços, acalmando meu turbilhão de preposições e complementos verbais e nominais. Ai! Se eu ao menos pudesse achar um verbo de ligação...

(...E agora, vêm me dizer que verbo de ligação nem existe... Estou perdida!)

(03/11/2001 e 2008)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

DESEJO DA CARNE

Trago comigo desde sempre um desejo de morte, entranhado na carne, correndo no sangue, pra lá dos confins de mim.

E é por isso que me agarro à vida com todo o meu ser, e experimento tudo, e em tudo me encontro. Tudo me fascina e tento conciliar o inconciliável, e aproximar os opostos, e saciar todas as vontades. Me entrego ao desejo irreprimível de ser tudo, ter tudo, tentar tudo, e sempre começar de novo do ponto onde jamais estive, mas que sempre visei do outro lado do abismo, do outro lado do espelho.

Acho que é para isso que sou atriz; para viver em uma só encarnação o gozo e a dor de setenta existências.

Não há nada que eu seja de verdade. Não há nada que eu seja por inteiro. Tudo o que sou, sou pela metade.

(26/04/2006 e 13/04/2005)

DE CARA LIMPA

A verdadeira face do palhaço é sua máscara. Seu rosto nu é sua face falsa, a que ele veste para enganar a vida e torná-la suportável. O insondável, o humano, o bestial, o divino, o desconhecido de cada um é o que se reflete no rosto daqueles que têm a coragem de se assumir palhaços.

Palhaço não é simplesmente aquele que faz rir – é, sobretudo, aquele que chora. Não é apenas aquele que encanta as plateias, mas aquele que se encanta com a imensa plateia do circo da vida. Cada um tem um palhaço dentro de si. Os tolos são aqueles que o negam. Os sábios, aqueles que o aceitam. Iluminados são os que o vivem.

A maquiagem do palhaço nada mais é do que seu rosto, depois de limpo da tinta que o cobria.