quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

DITADURAS

Hoje, falei. Falei o que precisava. Falei o que queria. Hoje, me fiz ouvida, me fiz vista e considerada. E isto me fez feliz, ao menos por hoje.

Mas, amanhã, o certo é que nada mude. Minhas palavras, quem sabe?, serão arquivadas nos porões – ou da memória, ou do descaso.

O fato é que não me importa mais. Fiz o que me cabia, e isto foi muito. Falar é sempre muito quando se vive numa ditadura. Mas, infelizmente, é pouco quando se vive numa ditadura maquiada de democracia. Nestas, o sublime e sagrado dom (direito?) da expressão serve não como agente de mudança, mas como válvula de escape da tensão acumulada, dos sapos engolidos – ex-pressão. Com a ilusão de que temos voz e vez, voltamos ao conformismo que faz de nós seres omissos, esperando que um dia tudo mude, que tudo mude de repente, que a mudança caia como por encanto em nosso colo.

(29/11/2010)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

VALENDO

Pois é. E eis que chga o dia, planejado meio a medo, de parar de adiar a vida que se quer ter. Talvez não ainda o dia de se começar a colher, mas sem dúvida o dia de juntar as ferramentas e ir plantar em outro canteiro.

Já sinto o cheiro do fim. É o mesmo cheiro do novo que desponta, vida recém-saída do plástico.

Muito vai mudar. Ou talvez pouco apenas se ajuste, pois a grande mudança se opera dentro de mim, a todo vapor, já há muito tempo. A expectativa em tirar os sonhos da gaveta é grande, mas grande também é a falta que vou sentir do que fica. E a dor de ter certeza de que a minha falta vai passar tão batida. Mas, que isso importa? Cresci. Três pessoas se manifestaram, e é um bom número. A vocês, minha gratidão – não calculam o bem que me fizeram. Aos outros, também agradeço, posto que me impulsionam mais rápido e mais longe de encontro ao meu horizonte. Saio do teatro para começar a viver a arte! Já ouço a plateia inquieta, clamando pelo início do espetáculo. Vai, Cintia, ser guache na vida! Plena, matizada, barulhenta, expansiva, criadora, inquieta, faladeira! Vai, ser você mesma de novo, sem temores, sem amarras, viver o espetáculo que a vida te oferece, se entregar a seus amores, chega desse ensaio geral.

Terceiro sinal.

MERDA!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ACERTO DE CONTAS

Nessa vida, o que é que vale: os amigos que fiz? Os que ficaram pelo caminho? Os inimigos que descobri? A família que me dei?

CIRCUNFLEXA

Não é que eu abra mão da minha vida para criar; é precisamente porque a vida abre mão de mim que me refugio na minha arte.

Aprendi que não dá pra correr pra alguém quando a vida dói. Então, corro para meus livros. Quando leio Fernando Pessoa, a vida fica um pouco mais fácil. Não que ele me faça sentir-me normal; Fernando Pessoa me faz sentir que posso até ser maluca, mas não estou sozinha no mundo.

Preciso escrever como quem precisa de ar: sempre, continuamente, a cada momento e o tempo todo. Escrevo pensando, lametado por não haver meio de concretizar as palavras que deslizam velozes no papel do meu pensamento.

Sou escritora antes de ser falante, antes de ser andante. Só penso porque escrevo. É assim que me passo a limpo, ordeno meus objetos indiretos e sujeitos indeterminados. Não escrevo porque gosto, mas porque meus artigos são imperativos em sair e ganhar as páginas diárias dessa edição da minha vida. Desnudo-me; cada palavra que cai no papel é uma peça de roupa atirada ao chão. E estou infinitamente vestida, e por mais agasalhada que minha alma estrangeira esteja, ela ainda sente frio.

Faço análises e análises morfossintáticas para dar sentido à minha composição de mim, mas minha pontuação me parece sempre inadequada. Todas as palavras que eu queria dizer, só sei dizer escrevendo. E tudo me parece que já foi escrito antes de mim, tudo o que eu queria dizer já foi dito, escrito, datilografado, impresso, digitado. Ainda assim preciso recortar as palavras e recolá-las, em ordens inversas e vozes ativas e passivas. Tivesse vivido em 1900 e seria feliz, pois já não estaria neste mudo de prolixidade que me rodeia e que nunca é o bastante.

Minhas frases não se pretedem belas, apenas precisam sair ou me afogarão. Cada palavra é uma lágrima: me limpa os olhos, embaça minha visão para purificá-la depois, e pode ser de raiva, tristeza, alegria. Cada frase é um copo d'água que bebo em meio a soluços, acalmando meu turbilhão de preposições e complementos verbais e nominais. Ai! Se eu ao menos pudesse achar um verbo de ligação...

(...E agora, vêm me dizer que verbo de ligação nem existe... Estou perdida!)

(03/11/2001 e 2008)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

DESEJO DA CARNE

Trago comigo desde sempre um desejo de morte, entranhado na carne, correndo no sangue, pra lá dos confins de mim.

E é por isso que me agarro à vida com todo o meu ser, e experimento tudo, e em tudo me encontro. Tudo me fascina e tento conciliar o inconciliável, e aproximar os opostos, e saciar todas as vontades. Me entrego ao desejo irreprimível de ser tudo, ter tudo, tentar tudo, e sempre começar de novo do ponto onde jamais estive, mas que sempre visei do outro lado do abismo, do outro lado do espelho.

Acho que é para isso que sou atriz; para viver em uma só encarnação o gozo e a dor de setenta existências.

Não há nada que eu seja de verdade. Não há nada que eu seja por inteiro. Tudo o que sou, sou pela metade.

(26/04/2006 e 13/04/2005)

DE CARA LIMPA

A verdadeira face do palhaço é sua máscara. Seu rosto nu é sua face falsa, a que ele veste para enganar a vida e torná-la suportável. O insondável, o humano, o bestial, o divino, o desconhecido de cada um é o que se reflete no rosto daqueles que têm a coragem de se assumir palhaços.

Palhaço não é simplesmente aquele que faz rir – é, sobretudo, aquele que chora. Não é apenas aquele que encanta as plateias, mas aquele que se encanta com a imensa plateia do circo da vida. Cada um tem um palhaço dentro de si. Os tolos são aqueles que o negam. Os sábios, aqueles que o aceitam. Iluminados são os que o vivem.

A maquiagem do palhaço nada mais é do que seu rosto, depois de limpo da tinta que o cobria.