segunda-feira, 28 de março de 2011

MOSAICOS

Sua vida começa a se delinear à sua volta. Levara quase trinta anos a prepará-la, moldá-la, construí-la, costurá-la,  eis que sem que ela percebesse muito bem como ou quando tudo começava a tomar forma. As peças do quebracabeças, quase unidas, mostravam vislumbres de sua casa, relances de seu dia a dia futuro, espectros de seu futuro marido. Desta vez, tomara o rio que desaguaria no altar? Se perguntava  ao mandar mais um sms pelo celular. Desde os vinte ela vinha se preparando - para o quê, meu Deus? Não sabia dizer. Mas sabia, tinha a certeza de que aos vinte e oito estava exatamente onde deveria estar, a última peça seria colocada e a figura ficaria completa.

Se preparava para o quê, meu Deus!? Mas estava quase pronta.

(Há uns dois ou três anos, quando o terror dos trinta me rondava a porta)

SCRIPT BARATO

 - E aqui, no fim de todas as coisas, neste pérfido quarto de hotel de quinta, sento-me nesta cadeira manca e acendo este cigarro. O cigarro é cênico. (Ela acende o cigarro.) Eu não fumo.

(Dá uma longa tragada. Após alguns segundos, exala com a garganta, boca aberta em O, um espesso anel de fumaça. E ela se põe a decidir em pensamento os rumos da nação.)

- Cacos debaixo do tapete.

ESVAZIAMENTO

Amo tudo o que amo cada vez menos. Tudo o que me é caro já o foi muito mais, antes. E ainda não sei se isso é um problema ou se é a solução.

Amo menos as coisas. As pessoas. Os lugares. E não estou mais bruta ou seca por causa disto. Comovo-me, alegro-me, fico feliz, me delicio, mas tudo isso passa. Não, não estou embrutecida. Estou mais livre, eis tudo.

E é simples; quanto menos se ama, menos se prende, mais se anda, mais se voa. Pelicanos voam, barcos não. Não voa quem tem asa: só voa quem não tem âncora.

Não tenho tudo o que amo. Mas, que me importa? Nada que me ama me tem.