sexta-feira, 9 de setembro de 2011

CONTAGEM

Cansada desta vida de mesquinharias. De contar os trocados para uma cerveja. De contar os minutos para sair do trabalho. De contar os amigos nos dedos de uma mão. De contar carneirinhos para dormir. De contar as misérias ao analista. De contar vantagem sobre os outros para. De contar quantas vezes o telefone tocou no último mês. De contar mentiras pra si mesma para sobreviver. De não ter com quem contar.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

SOLILÓQUIO

O quão sozinhos estamos no mundo. O mal-do-século é a solidão: cada um de nós imerso em sua própria arrogância esperando por um pouco de afeição. L’enfer? L’enfer sont les autres. L’enfer est être tout seule. Gentileza não gera gentileza. Gentileza gera frustração. A gente acha que encontra no outro alguém para nos ouvir. Mas todos só querem falar. Eu também quero falar, que diabo. Ninguém escuta ninguém. Eu também não escuto ninguém. Todos imersos em seus fones, ouvindo suas rádios particulares. Como você está? Não responda, foi uma pergunta retórica. Deixa um recado no face que eu te respondo. Melhor. Eu curto seu comentário. Tempo que a gente não se vê, não conversa! Vamos sair hoje? Curtir. E a resposta? Curtir é a resposta. Sim ou não? Vamos sair? Mas você tem coisas mais importantes para fazer com seu novo amigo de infância. Até que ele esteja ocupando demais flanando na internet. Estamos todos sozinhos neste mundo, nem quem te ama consegue paciência para te ouvir. Porque estão todos ocupados demais contando os próprios projetos. Um diálogo de dois solilóquios. E eu finjo ter paciência.

ENGARRAFAMENTO

É tarde e eu tenho que chegar. Mas o sinal abre fecha abre fecha abre fecha e ninguém se move. Buzinas ecoam atrás de mim. Eu também buzino, ouvido no som e cabeça lá. Vontade de chegar, vontade de chegar logo, mas logo não existe às seis e meia na Avenida Rio Branco. Quero retornar, mas as vias transversais só descem, as ruas são em mão única nesta cidade. Os relacionamentos também. Quero retomar o contato é só dá ocupado. Telefone ocupado. Cabeça ocupada. Lugar ocupado, viajo em pé no ônibus lotado, com um desgraçado ouvindo funk no celular último modelo, ouvindo funk para o ônibus inteiro. Quero chegar, preciso chegar logo, preciso chegar no horário, mas o motorista perdeu a hora e nos prendeu no engarrafamento de dois quilômetros avenida afora. Um carro fecha o cruzamento e a faixa de pedestres. Pessoas passam pela frente e por trás do carro. Deviam passar dentro. Deviam passar por cima. O motorista está ocupado demais para se importar, falando ao celular enquanto (não) dirige no trânsito. Está ocupado fechando negócios à distância. Ou mantendo a família no lugar à distância, dizendo que não chegará a tempo para o jantar. Talvez tenha coisas mais importantes a fazer, mais três empregos para dar conta, a secretária para comer trancado no escritório enquanto a esposa ensina o dever aos três filhos. O motoboy passa zunindo entre os carros ônibus vans escolares, berrando a potência que tem entre as pernas no seu escapamento sem silencioso. Ensurdece e irrita. São dúzias, são legiões de motoboys ocupados em correr com as encomendas de seus contratantes. Cinco minutos para chegar ao Bom Pastor. Próxima entrega no Mariano Procópio. Motoboy caído na Avenida Independência, foi atropelado? Caiu sozinho. Resgate acionado, esse pelo menos usava capacete. Tenta se levantar, mas obrigam-no a ficar deitado sob a chuva fina que começa a cair, polarizando o frio do início árido de agosto. O trânsito continua parado porque o motorista do Gol lá da frente não arrancou assim que acendeu o verde. Só ele conseguiu passar a tempo, amarelo vermelho fechou, já era, mais quatro minutos de espera inútil. Queria ter um carro monstro. Impaciento-me ao volante, só sei viver nesta cidade neurótica se estiver ocupada. Tiro a sobrancelha. Limpo o painel. Arrumo a bolsa. Mando mensagens pelo celular. Retoco a maquiagem. Quem vai sentado no ônibus pode ler, mas acaba cochilando a cabeça ensebada no vidro da janela. Mais de uma vez liguei e deixei recado. Mais de um par de vezes mandei mensagem. Uma dúzia de vezes mandei e-mails. As mensagens no facebook se sucederam, e você sempre ocupado para me responder. Desejei feliz aniversário. Desejei melhoras da gripe. Convidei para o teatro. O barzinho. O show. O cinema. Tudo em mão única. O executivo que avançou o sinal e parou na faixa entra na primeira à esquerda. Contramão. Fica preso entre carros e pedestres. Não tem espaço para manobrar, seu sedan é grande demais para a falta de espaço das nossas ruas. Encontro com você no calçadão e você me torce o nariz, me cumprimenta por obrigação, me olha com desdém. Mão única. Não consigo entender o que fiz. Não consigo entender o que não fiz. Você está neurótico como o trânsito desta cidade. Contramão. Éramos tão amigos. Sinal fechado.