domingo, 16 de setembro de 2012

PARA AS LACUNAS

Na minha busca constante de construção de sentido, uso frequentemente três dicionários:

o Houaiss Eletrônico, para a falta de palavras,
o de Teatro, para a falta de conceitos,
e o de Pequenas Solidões, para a falta de pessoas.





* NOTA: Dicionário de Pequenas Solidões, livro de contos de Ronaldo Cagiano.

NATIMORTA

Minha poesia nasceu morta quando eu - toda prosa - escrevi meu primeiro verso de pé quebrado.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A FRASE DO CAIO VAI ME DOMINANDO HORA APÓS HORA

"Gosto de pessoas doces, gosto de situações claras; e por tudo isso, ando cada vez mais só." 

A constatação de que mais alguém no mundo se sente tão sozinho quanto eu não faz eu me sentir menos sozinha.

A frase do Caio Fernando Abreu me corrói por dentro como ácido. Me espeta. Como se pedregulhos se revolvessem no meu estômago, doendo e pesada, ela se espraia para além de suas margens e devasta todos os campos da minha mente, quanto mais passa o tempo. Se para o Edgard de Nelson a frase de Otto era o câncer, para mim o tumor é esta pequena joia do Caio. Curioso que sejam ambos escritores de três nomes.

E constato, ao olhar para trás, que talvez o meu destino seja mesmo a solidão. Percebo o quanto estive, estou, sou, sempre, serei, sozinha, no meio de todos os grupos por onde andei. Fui sempre a margem. À margem. Sou a rebarba. Sempre a peça tentando se encaixar. Nunca encontrando seu lugar. Sempre perguntando, nunca entendendo. Sempre sendo a última a saber. Nunca sendo convidada para coisa alguma. Exceto quando posso ser útil.

Defendo, como louca, o estar em grupo, o fazer em grupo. E vejo finalmente que nunca soube o que é isso. Talvez por isso o defenda apaixonadamente: como a uma meta, um prazer apenas de sonho, um prêmio idealizado, um troféu que nunca tive nas mãos. Porque estive sempre do lado de fora, tentando entrar. Forçando a porta. Pulando o muro. Andando por perto para ver se algo me agregava naturalmente. Ou artificialmente. Mas se me agregava. Fui sempre a CDF a que faziam o supremo favor de conceder um pouco de atenção, pela insistência dela – ou pelo constrangimento de tê-la ali, como um vira-lata com a língua de fora postado à janela, aguardando as migalhas do banquete.

Quantas e quantas e quantas e quantas vezes fui abandonada por todos os meus amigos – simplesmente porque não eram meus amigos? Quanto já me senti de fora, porque eles me deixavam de fora, e eu achava que estava dentro, então me sentia traída quando percebia que todos sabiam de tudo, todos combinavam tudo, todos planejavam tudo... Menos eu? Como podia ser eu traída por eles se ninguém me havia chamado ali?

Pessoas ásperas... Pessoas áridas. Deboche. Olhares enviesados, sorrisos maldosos por cima dos meus ombros. Eu, feita de maciez e açúcar, que nunca compreendo coisa alguma de dureza ou secura, hoje olho para tudo isso, e vejo quantos, tantos! E me embruteço. Tudo o que chega a seu extremo vira seu oposto.


Situações turvas, situações baças... Torpor. Confusão. Confusão que só serve para me usar, me perder, me descartar. Eu, que coleciono em minha alma astrolábios imemoriais, cartas náuticas e bússolas.

Preferível estar sozinha sabendo que estou sozinha. Aliás, como já disse aquele outro eu, materializado em outra Pessoa que veio antes de mim: "Quero ser sozinho. Já disse que sou sozinho!". À parte a diferença de não querer nunca ser sozinha, mas constato, uma vez mais e sempre: já disse que sou sozinha.

Porque gosto de pessoas doces e só encontro cascas secas.
Porque gosto de situações claras, e sempre me apagam as luzes.
Por tudo isto, aqui dentro ando cada vez mais só.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

REVISITADA

Nestes dias de descanso, de corpo pesado na cama depois de um dia inteiro de caminhadas, novas formas, olfato e paladar acariciados pelo aveludado do bom café, cores e plantas variadas, riqueza para os olhos, calor ao toque e frescor de cheiros num bom banho de água tépida, águas de gostos e gases tantos vários, eu, que me pensava já liberta, vejo-me como Macbeth visitada por meus fantasmas. Fantasmas daquilo o que matei - não por ambição desenfreada, como ele, mas por necessidade de sobrevivência. Para quebrar os grilhões que me atavam ao círculo de ansiedade, cansaço, cobrança, falta de reconhecimento, raiva, sobrecarga, incompreensão e sobretudo a mais completa ausência de liberdade - de ações, de movimento, de escolha, de fala, de pensamento mesmo, que começava a ficar formatado entre quatro paredes beges e mofadas.

Meus fantasmas têm me visitado em meus sonhos, sistematicamente, há uma semana. Creio que seja uma faxina mental inconsciente que minhas férias estejam promovendo, que os esteja expulsando de seus porões, onde eles se refugiaram há um ano, e agora eles se aproveitam do meu corpo cansado e da minha mente vazia para me assaltar na calada da noite. Sonho com o mesmo tema: estou de novo presa em meu trabalho antigo, com as mesmas pessoas, num malabarismo constante para conciliar a necessidade de dar conta com a vontade de ir embora.

Aff. Espero que as águas cristalinas desta montanha que chora me lavem por fora e por dentro. Definitivamente.