quarta-feira, 22 de julho de 2009

UTILIDADES DOMÉSTICAS

Talvez seja só pra isso que eu esteja aqui: pra dar pezinho pros outros.

Pra fazer escada, minitrampolim, pra que os outros pisem, pulem, se impulsionem e saltem. Aquela de que todos precisam, aquela que é necessária, nunca querida; que é imprescindível, mas nunca lembrada quando nada falta. Talvez eu faça parte do universo das coisas úteis, alicate na maleta de ferramentas, e só. Talvez eu paire no canto da memória de todos como o durex que se esqueceu de comprar, o superbonder conservado na geladeira, o estepe na mala do carro, aquilo que deve estar ao alcance da mão quando preciso, mas não precisa se manter no campo de visão de ninguém. Talvez sim.

Mas minha alma anseia pela esfera das coisas belas, das coisas doces, das coisas inúteis; de tudo o que não é necessário e por isso tão desejado, como a música, como o arcoiris no fim da tempestade, como o balé, como o teatro, como os livros de ficção. Não, nada disso é necessário, e no entanto minha alma secaria antes de me chegar aos olhos se não tivesse sempre uma boa dose de tudo isso... Não como uma planta definha sem sol, mas como um gato que passa seus dias numa casa sem tapetes, almofadas e novelos de lã... Como um prato de mingau de fubá sem sal.

É chato ser útil. Queria ser totalmente desnecessária. Sair da estante dos eletrodomésticos, das ferramentas, dos equipamentos, das mileuma coisas úteis que as pessoas inventaram para que outras pessoas pensassem que tudo aquilo é imprescindível. Não sou imprescindível, e isso me fica claro dia após dia. Todos fazem questão de me carimbar isso na pele, bem entendido. Alguém tem que fazer o serviço sujo. Alguém tem que fazer o serviço. Alguém tem que fazer o que qualquer um poderia ter feito, mas ninguém nunca faz. Alguém tem que levar a bronca, ouvir a cobrança, alguém tem que ficar olhando as crianças enquanto o casal vai pro cinema.

Tudo isso me aperta a garganta, mas de dentro, como se uma corda me fosse passada ao contrário, tentando explodi-la em vez de estrangulá-la. Tudo isso me machuca como aquele pedregulho que entrou entre o dedo anular e o mínimo do pé, dentro da meia justa no tênis apertado: roça, roça, roça, irrita, fere, mas sem sangrar de fato, sem nunca precisar dar ponto.

Há alguém no mundo que me olhe com outros olhos?

Um comentário:

Aline Rodrigues disse...

"...das coisas doces, das coisas inúteis; de tudo o que não é necessário e por isso tão desejado, como a música, como o arcoiris no fim da tempestade, como o balé, como o teatro, como os livros de ficção."

Leio voce e as vezes me leio... os entraves do dia-a-dia encobertam muitas coisas, que poderiam ser na verdade a musica ( a arte) dos nossos dias tão sonhados... mas eu posso olhá-la com meus outros olhos ( uns que ficam adormecidos as vezes) mesmo em meio tensão de nosso imperfeito e lacunar convívio.

Texto como sempre corajoso.


Beijos