quarta-feira, 7 de setembro de 2011

ENGARRAFAMENTO

É tarde e eu tenho que chegar. Mas o sinal abre fecha abre fecha abre fecha e ninguém se move. Buzinas ecoam atrás de mim. Eu também buzino, ouvido no som e cabeça lá. Vontade de chegar, vontade de chegar logo, mas logo não existe às seis e meia na Avenida Rio Branco. Quero retornar, mas as vias transversais só descem, as ruas são em mão única nesta cidade. Os relacionamentos também. Quero retomar o contato é só dá ocupado. Telefone ocupado. Cabeça ocupada. Lugar ocupado, viajo em pé no ônibus lotado, com um desgraçado ouvindo funk no celular último modelo, ouvindo funk para o ônibus inteiro. Quero chegar, preciso chegar logo, preciso chegar no horário, mas o motorista perdeu a hora e nos prendeu no engarrafamento de dois quilômetros avenida afora. Um carro fecha o cruzamento e a faixa de pedestres. Pessoas passam pela frente e por trás do carro. Deviam passar dentro. Deviam passar por cima. O motorista está ocupado demais para se importar, falando ao celular enquanto (não) dirige no trânsito. Está ocupado fechando negócios à distância. Ou mantendo a família no lugar à distância, dizendo que não chegará a tempo para o jantar. Talvez tenha coisas mais importantes a fazer, mais três empregos para dar conta, a secretária para comer trancado no escritório enquanto a esposa ensina o dever aos três filhos. O motoboy passa zunindo entre os carros ônibus vans escolares, berrando a potência que tem entre as pernas no seu escapamento sem silencioso. Ensurdece e irrita. São dúzias, são legiões de motoboys ocupados em correr com as encomendas de seus contratantes. Cinco minutos para chegar ao Bom Pastor. Próxima entrega no Mariano Procópio. Motoboy caído na Avenida Independência, foi atropelado? Caiu sozinho. Resgate acionado, esse pelo menos usava capacete. Tenta se levantar, mas obrigam-no a ficar deitado sob a chuva fina que começa a cair, polarizando o frio do início árido de agosto. O trânsito continua parado porque o motorista do Gol lá da frente não arrancou assim que acendeu o verde. Só ele conseguiu passar a tempo, amarelo vermelho fechou, já era, mais quatro minutos de espera inútil. Queria ter um carro monstro. Impaciento-me ao volante, só sei viver nesta cidade neurótica se estiver ocupada. Tiro a sobrancelha. Limpo o painel. Arrumo a bolsa. Mando mensagens pelo celular. Retoco a maquiagem. Quem vai sentado no ônibus pode ler, mas acaba cochilando a cabeça ensebada no vidro da janela. Mais de uma vez liguei e deixei recado. Mais de um par de vezes mandei mensagem. Uma dúzia de vezes mandei e-mails. As mensagens no facebook se sucederam, e você sempre ocupado para me responder. Desejei feliz aniversário. Desejei melhoras da gripe. Convidei para o teatro. O barzinho. O show. O cinema. Tudo em mão única. O executivo que avançou o sinal e parou na faixa entra na primeira à esquerda. Contramão. Fica preso entre carros e pedestres. Não tem espaço para manobrar, seu sedan é grande demais para a falta de espaço das nossas ruas. Encontro com você no calçadão e você me torce o nariz, me cumprimenta por obrigação, me olha com desdém. Mão única. Não consigo entender o que fiz. Não consigo entender o que não fiz. Você está neurótico como o trânsito desta cidade. Contramão. Éramos tão amigos. Sinal fechado.

Nenhum comentário: