quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

CIRCUNFLEXA

Não é que eu abra mão da minha vida para criar; é precisamente porque a vida abre mão de mim que me refugio na minha arte.

Aprendi que não dá pra correr pra alguém quando a vida dói. Então, corro para meus livros. Quando leio Fernando Pessoa, a vida fica um pouco mais fácil. Não que ele me faça sentir-me normal; Fernando Pessoa me faz sentir que posso até ser maluca, mas não estou sozinha no mundo.

Preciso escrever como quem precisa de ar: sempre, continuamente, a cada momento e o tempo todo. Escrevo pensando, lametado por não haver meio de concretizar as palavras que deslizam velozes no papel do meu pensamento.

Sou escritora antes de ser falante, antes de ser andante. Só penso porque escrevo. É assim que me passo a limpo, ordeno meus objetos indiretos e sujeitos indeterminados. Não escrevo porque gosto, mas porque meus artigos são imperativos em sair e ganhar as páginas diárias dessa edição da minha vida. Desnudo-me; cada palavra que cai no papel é uma peça de roupa atirada ao chão. E estou infinitamente vestida, e por mais agasalhada que minha alma estrangeira esteja, ela ainda sente frio.

Faço análises e análises morfossintáticas para dar sentido à minha composição de mim, mas minha pontuação me parece sempre inadequada. Todas as palavras que eu queria dizer, só sei dizer escrevendo. E tudo me parece que já foi escrito antes de mim, tudo o que eu queria dizer já foi dito, escrito, datilografado, impresso, digitado. Ainda assim preciso recortar as palavras e recolá-las, em ordens inversas e vozes ativas e passivas. Tivesse vivido em 1900 e seria feliz, pois já não estaria neste mudo de prolixidade que me rodeia e que nunca é o bastante.

Minhas frases não se pretedem belas, apenas precisam sair ou me afogarão. Cada palavra é uma lágrima: me limpa os olhos, embaça minha visão para purificá-la depois, e pode ser de raiva, tristeza, alegria. Cada frase é um copo d'água que bebo em meio a soluços, acalmando meu turbilhão de preposições e complementos verbais e nominais. Ai! Se eu ao menos pudesse achar um verbo de ligação...

(...E agora, vêm me dizer que verbo de ligação nem existe... Estou perdida!)

(03/11/2001 e 2008)

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