segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

AGORA É QUE SÃO ELAS

Começo a entender porque me dedico tanto a Ela, a todas Elas, cuja gestação é longa, às vezes mais de ano, e a existência, breve. Aquelas que vivem em mim por poucas horas por semana, durante uma curta temporada num teatro qualquer. Dedico a Elas, todas, um amor sem medidas ou cobranças, uma devoção absoluta e neurótica, uma doação irrestrita e ofegante. Avassaladoras, todas elas, me tomam de um só golpe, sempre, e depois passam meses me provocando, flertando comigo, até que se decidam a descer por completo e usar meu corpo, minhas mãos, meus olhares, minha voz para que seu verbo se faça carne em mim...

Dedico-me a elas porque tenho fome.

Dedico-me, e me debruço, e me consumo, frente à irresistível tentação de esquecer-me de quem sou, e sê-las. Porque preciso criar. Porque, se não criar, eu me destruo. Porque, se eu não for todas elas, eu deixarei, fatalmente, de ser – não só eu, mas qualquer outra. Porque uma vida me é pouca para ser tudo o que há dentro em mim, e a ideia não ser me dói às raias do insuportável.

Dedico-me a elas, todas, à Joana, à Charlotte, à Elisa, porque tenho sede.

Ser quem sou nunca me basta. Porque sou qualquer coisa entre o que sonhei ser e o que fiz de mim. Nesse meio de caminho, estão Elas, todas elas, que são e serão sempre aquelas que eu poderia ser, caso... Se... Não fosse...

E, afinal, elas não são feitas do ar à minha volta: são feitas da minha carne, da massa das minhas ideias e do fermento da minha emoção. São feitas da minha poesia, das imagens que trago em mim, dos desejos que eu nem sabia que tinha, dos nós das minhas entranhas, da beleza adormecida, da angústia insone, da razão que às vezes cochila.

Acho que, quando sou delas, sou mais minha. Quando me regozijo com seus prazeres e glórias, preencho as lacunas que me dei. Quando vivo a dor de cada uma, banhada em luz, limpo-me da minha própria angústia. São dores boas de se viver: acabam-se quando apaga a luz e cai o pano. Descubro o Brasil a cada vez que a cortina se abre. Um novo continente por temporada.

Elas estão contidas em mim, presas, sufocadas. Quando sou delas, sou de alguém: sou de quem me possui, cativa; o que me tapa os buracos que me deixo. Elas só existem porque eu existo. Porque, não fosse eu, elas não seriam exatamente quem são: teriam o mesmo pai, é fato: o dramaturgo, mas não a mesma mãe, não o mesmo ventre. Elas são a criação; eu, a criadora. Embora elas me arrebatem, e me dominem, e me exijam. E é bom que o façam: sinto que sou importante na "vida" de alguém. Acho que só assim.

Dedico-me a elas porque não tenho ninguém por mim.

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