quinta-feira, 13 de novembro de 2008

SEMPRE POR CONCLUIR

Ela tem uma alma feroz. O seu contínuo desafio de se domar é que lhe confere o mínimo de sociabilidade que tem. O estado bruto em que se encontra lhe imprime a sinceridade de alma que ela carrega, tornando-a cortante em sua transparência.

E é esse estado de latência e possibilidades que lhe dá beleza, aquela beleza inerente às coisas sem refinamento, quartzo transparente, ainda que fumê, mas que não foi lapidado. Magnetismo daquilo que é natural, desmedido, destemperado e fora de controle, de magnitude desconhecida, como a tempestade que ela apenas ouve e imagina através da janela fechada.

Sua alma pessoana só sossega com a chuva branca que cai do céu com estrondo, sem relâmpagos ou trovões.

É essa tempestade ao mesmo tempo forte e serena que preenche os espaços da sua alma. É disso que ela é feita: qualquer coisa rústica, tosca e inacabada, com aquela sensação permanente de algo sempre por concluir, frase a completar, lacuna a preencher, pedra a lapidar.

É essa falta de polimento e de suavidade que faz dela o que é: firme e tranquila em meio a seu próprio caos, magnética a ponto de não se poder ignorá-la. Antes isso que ser aquele que passa pela vida sem despertar curiosidade, atração, ira, desejo, fúria, alegria, repulsa.

Antes isso que ser aquele que passa pela vida sem despertar.

Mais completa ela será quanto mais anacrônica for, mais perfeita quanto mais em estado bruto estiver, pois aí será inteira, sem excluir peça alguma do quebra-cabeças dessa alma inquieta que a preenche.

Antes isso que ser aquele que passa.

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